18 de março de 2009

Revendo...01

Estes dias estava relendo um livro de Rubem Alves - Retratos de Amor - e ele me fez uma indagação sobre o que realmente acontecia quando Vermeer pintou o quadro "mulher lendo uma carta". Foram tantas as possibilidades que me perdi no emaranhado.
...
Imagino o quão ansiosa ela aguardava por notícias do pai de seu filho. Estava ele longe, viajando, trabalhando em outra parte do mundo.
Ali, naquela alvorada, ela já relia as palavras mágicas de amor, as promessas de retorno, enquanto aos poucos o sol adentrava o quarto, ou seria o inverso, um crepúsculo.
Ao fundo um mapa para localizá-lo. Cadeiras para esperar. O cômodo cheio de objeto parecia um salão vazio comparado ao seu coração.

15 de março de 2009

das Interpretações

Quando do ventre gramático se esvaem as palavras de minhas lucubrações, nada penso além de registrar o efêmero do pensamento leigo que me sou capaz de produzir. Minha visão é falha, meu pensamento é vago, mas a minha vontade de te encontrar é enorme. Escrevo para comentar, iludir e complicar, respingar em teus neurônios, destruir tuas deduções e te prender em textos sem sentidos. Sou um falso.
De tanto brincar com palavras, formando orações a deuses ausentes, fico imaginando como me vêem as tuas pupilas. Imagens distorcidas do cotidiano, versos desligados do interior e formas adversas ao comum me são motor de produção. Penso em você quando digito, mas é para outra pessoa que minhas loucuras fazem sentido. Sou um inter-comunicador de sensações.
Quando ela, terceira pessoa do singular, me aborda e pergunta sobre meus devaneios, o que dizer? Aquilo que me foi tomado pela coragem e impresso em folhas e bytes, naquele olhar ganhou nova formulação. Não me pertence mais, é dela, como também é seu.
Colo um número determinado de palavras e produzo um infinito de interpretações. Mas interpretar é uma arte individual que necessita um tanto de esforço, silêncio – ainda que apenas interno – e intenção. Aquilo que o outro pensa não deve ser aceito como veredicto. Todos somos juízes por excelência. Então fica o lembrete: “quando mergulhar em meus anseios verbais nade sozinho”.
Então caro leitor seja sempre bem-vindo, afinal, isso é seu.

Crônicas de eLe - XV

NOVOS SONS, MESMO OLHAR
Perdido na imensidão de luz daqueles olhos, eLe mal percebe que o mundo gira. Sua boca se esforça para pronunciar uma palavra qualquer.
" - De que estilo você gosta?"
Saiu sem pensar, mas foi o suficiente para engrenar um dialogo. Aos poucos aquilo se tornava mais agradável. Nunca imaginara que aquela perfeição abstrata pudesse parecer uma garota tão simples. Ela abusava de seu conhecimento musical, e quando citava as bandas e músicas internacionais, eLe fazia cara de quem entendia tudo. Não por que queria agradar, mas somente por que a feição de entendido é a mesma que a dos bobos. E ali em frente aqueles faróis luminosos de íris verdes, eLe já não escutava nada, já não enxergava nada que estava ao redor.
De repente acordou de sua fantasia e percebeu que já havia passado a hora do almoço. Estava dentro do mercado e se atrasou para o serviço. Sem jeito, nem vontade de pedir licença, informou-a da situação e se retirou como se houvesse apenas prestado um favor a uma cliente. Caia assim num pesadelo real, doía o seu peito. Poderia ter sido a única chance de vê-la novamente e eLe saiu apático.
Mas antes que sumisse do campo de visão, ela abriu-lhe a porta do céu.
“- Ei! Que horas você sai daqui? Ah, não importa!
Estarei esperando na entrada sul.”
E os sorrisos afirmaram o trato.

14 de março de 2009

A Boneca da Lâmpada Mágica

Surgida da poeira cósmica celeste, caiu destrambelhada de um livro que pendia no alto da estante daquela velha biblioteca escolar. Era ela uma personagem diferente de tantas outras conhecidas que povoavam minha imaginação. Brilhava na claridade de um dia de verão de um jeito insuportável de encarar. Fazia as flores desabrocharem em pleno outono mais comum. No inverno me aquecia apenas sorrindo. Não sei dizer ao certo quando foi nosso primeiro encontro, sei apenas que fugi das entrelinhas uns dias antes. Ela ainda se escondia atrás dos velhos livros empoeirados de matemática quando nos esbarramos por acaso. Daí em diante fomos escrevendo a nossa própria história.
Sei que seu sorriso me revelou coisas incríveis sobre a vida, como naquele dia em que ‘no mais intimo momento de mim’ encontrei o amor. Era eu um menino, mas o que é mais majestoso do que o amor infantil? Lembro das tardes em que nossos olhares dividiam o mesmo espaço, percorrendo uma reta de luminosidade até a imagem do outro. Eu vivia na minha invenção romântica, enquanto ela me preenchia com amizade. Crescemos distantes por culpa do destino, mas sempre que nos víamos era aquela mesma alegria. Certa vez, numa esquina do caminho de tijolos dourados, quando já não havia a invenção, nossos lábios se encontraram. Eu flutuei. Mas de tudo que nos ocorreu nada foi tão fantástico como aquela manhã-tarde-noite-madrugada em que gastamos os verbos e os substantivos na fantasia de entendermos a vida. Ouvi-la falar é como beijar sua face, prazeres tão parecidos que não posso escolher o melhor. Hoje a menina encantada, que me iluminava o olhar, me alimenta com sentimentos felizes, próprios de uma paixão fraterna.
Sei que Gepeto quando a criou sabia de sua importância pra mim. Agora ela já não usa seu chapeuzinho vermelho, em seus vestidos floridos se apresenta como princesa - adormecida em sua preguiça engraçada, enfeitiçada com sabedoria e palavras, cristalizada em sua beleza incomum –, a mais pura da corte real de nossa existência.
Guardo em meu peito um bosque secreto, repleto de sonhos felizes, para que ela sempre esteja segura, guardada nas doces lembranças e presente ao sonhar as venturas. Hoje, longe de Agra, esfrego minha lâmpada sempre que preciso vê-la, ouvi-la, senti-la em minha presença, dividir as angustias e compartilhar as conquistas. Somos duas peças incompletas, certos de nossos valores, mas nos cabe a missão de sermos ao outro um abrigo de paz e alegria. Sentimos a graça dessa imensa fantasia que é viver.

Moral da História: Quando do céu um amigo vier não feche os olhos, só abra o peito. O amor é uma mistura de loucura, paixão e respeito.

10 de março de 2009

Crônicas de eLe - XIV

A GAROTA DOS CD’S
Por vários dias aquele coração se pôs a escutar sinais de romances distantes em canções sobre amores outros, onde a angustia, a saudade e a ilusão são alimentos para uma alma ferida. O seu peito passa a se acostumar com a ausência física da desejada, e a perfeição da pessoa amada vai ganhando novas características numa projeção sonhadora.
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“...é quando deslumbrante ela entra em meu olhar. Sua roupa balança levemente trazendo-me a lembrança de uma pintura expressionista: a bela dama que caminha sobre o campo florido. Devagar se aproxima de meu corpo, guardando um brilho intenso no olhar que despeja em minha íris. Quando o encantamento me paralisa por completo, sua mão sobre a minha me faz sentir a ternura intensa de estar vivo. Falta pouco para que me complete. O sangue ferve ao mesmo tempo em que o coração desliga. Sinto um frio na barriga que me devora sem jeito. Mas aos poucos do peito vem se espalhando uma agitação, uma loucura incontida. Já posso sentir seu açúcar. Sem respirar me despenco sobre seu rosto, em direção a boca. Ele me olha e um sorriso me diz que ‘sim’. Então...”
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Enquanto a imaginação proporcionava a eLe uma sensação única de paixão adolescente, aquela que nos captura pra um mundo encantado e desliga nossos sensores da realidade, na ala de CD’s a vida continua. Ali desligado, observando os encartes e vivenciando sua ilusão, eLe não percebe que sua alucinação se materializa ao lado. Mas a voz desconhecida iria roubar sua atenção e frear bruscamente seus batimentos cardíacos.
- “Você me indicaria que música?”

8 de março de 2009

Crônicas de eLe - XIII

OS DIAS SE REPETEM
Semana após semana, dias e dias e dias... O trabalho consome as expectativas e sonhos do menino deslumbrado. eLe já não vê o sol com tanta frequência, a brisa também perde espaço para o ar condicionado do ambiente fechado e o colorido das prateleiras forma a paisagem que o limita. Tudo se resume numa rotina intensa onde o suor só não se apresenta por motivo do clima, mas as ocupações criam barreiras para atividades particulares. O mundo acontece atrás das portas, mas eLe já não pode sair.
Lá dentro, entre as paredes do complexo, tentando aproveitar do pouco tempo de sossego, eLe lê sinopses de livros e filmes, receitas nas embalagens, contra indicações das mercadorias. Com essas informações um simples empacotador se torna mestre na arte de persuadir. Indica produtos, sugere pratos especiais, faz crítica de cinema e ataca de comentarista literário. eLe faz o que pode para valorizar o seu serviço.
Sobre os cds fica um tanto distante sempre que alguém pergunta alguma coisa. Aquela ala do mercado traz a lembrança da menina angelical do dia da conquista. Talvez seja por essa lembrança que todos os dias, semana após semana, eLe gaste parte do seu tempo pro almoço observando os cds e os clientes que ali se mostram. A música do amor ainda toca em seu coração, no alto volume da esperança.
Quem sabe um dia haja dança.

Até aqui & Daqui pra frente

...ao longo do pouco mais de duas décadas de minha vida tive o prazer de chorar muito ainda bebê, fazer xixi na cama, criar batalhas com bonequinhos de plástico. Brincar de esconde-esconde, pega-pega e chuta-lata com meus amigos da rua. Pegar camarão e piaba, fritar no dendê e comer com farinha no quintal de algum vizinho. Ir pescar escondido de meus pais e voltar pra casa com um anzol no queixo. Na escola foi tempo de fazer amizades, fazer cover dos Mamonas no pátio e brincar de namorado com minhas colegas bonitinhas.
Depois veio a fase do colégio, de beijar escondido atrás do bar, sair com os colegas pros rios, fazer poesia. Vieram as paixões avassaladoras da adolescência. Os grupos e as panelinhas. Foi tempo de viver as amizades que perduram, de começar a me apaixonar pelo teatro, de escutar o Skank, de sonhar com o futuro cheio de possibilidades. No ensino médio vieram às namoradas de verdade, as alegrias, as complicações do amor e o sexo. Vieram as conquistas pessoais, o trabalho, o sucesso, os 15 minutos de fama, a formatura.
Depois disso me encontrei no início da vida adulta, o trabalho, a faculdade, o casamento, a casa. O divorcio, a dor e o recomeço. Então me veio à estabilidade, a maturidade, a alegria de me encontrar em mim. Plantei minha árvore. Vai vir o meu fruto.
...isto foi até aqui.
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- Agora - Momento matemático que resulta de uma equação onde estão meus desejos, sonhos, projeções e escolhas diante das varáveis externas, as quais não têm controle.
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...isto é daqui pra frente.
... Terei mais frutos no futuro. Os livros esperam a coragem para me expor. Vou viver novas aventuras, em novos lugares, com novas pessoas, Quero me apaixonar. Talvez com trinta eu sossegue e desça a âncora, mas isso não vai durar. O que eu quero é velejar. Quero ver novos filmes, talvez até fazer os meus. Desejo aprender a jogar gamão, pular de pára-quedas e bang-jump, fazer um curso de dança, fazer outra tatuagem.
Da escola não vou sair, tenho muito a aprender. É, sou curioso. E mais do que isso, adoro conhecer gente nova, fazer amizades, eu não quero abandonar minha diversão. Quando minha parede estiver cheia de papéis coloridos talvez eu dê um tempo, ou talvez não.
Quero aos quarenta sair com meus moleques, ir pra praia, pra balada. Dar conselhos e ouvir suas idéias e seus ideais. Quero conhecer seus romances e seus amigos. Quem sabe até me apaixonar por uma garota mais nova também. Ter minha fortuna sentimental de amigos, minha família em paz. Ver meus velhos ainda mais velhos com saúde, passeando pelo país e fazendo safadeza como se fossem jovens.
Aos cinqüenta quero estar em boas condições físicas – eu sei que preciso começar a me esforça agora – para jogar bola com os masters da vizinhança. Ter minha vida sossegada pra gastar com meus desejos fúteis de meia idade. Aposentar-me do que esteja fazendo nesta época, e começar a fazer coisas novas. Ou então manter meu trabalho e iniciar um curso de algo que nunca tenho feito até então, um curso de idioma, Russo ou Afegão.
Quando a velhice começar a se expor em minha face, não quero disfarce. Quero é ter um espírito liberto de preconceitos como hoje, viver minhas ousadias e lucubrações, planejar um futuro bem distante. Vivendo minhas paixões adolescentes, viver minhas orgias sensoriais. Escutar tudo, provar novos sabores, ver novas paisagens, sentir aromas secretos e tocar o dorso de pessoas distintas. Quero encontrar mulheres que brilhem: inteligentes, independentes e bonitas.
Quando os noventa estiverem na porta, faço minha rendição. Entrego-me a um amor que me carregue, que me descubra e que se perca em minhas desventuras. Alguém que divida o resto de seus dias com minhas manias. Quero fazê-la a donzela mais feliz do universo e viver décadas de amor.
Então, depois de algum tempo, que eu morra...
...completamente apaixonado.

Crônicas de eLe - XII

ENFIM O FIM DE SEMANA
Depois de uma semana de empolgação e cansaço eLe têm sua oportunidade de relaxar. Um fim de semana diferente de todos os outros, pois agora este é seu único tempo livre, e agora eLe tem a certeza de que uma outra semana de muito trabalho o aguarda.
Quando soube que seria empacotador não imaginava o quanto aquilo iria ser pesado, já que na verdade um empacotador é um faz tudo. Entre uma sacola de compras e outra, tem que descarregar e carregar mercadoria, atender bem um cliente e ser prestativo, fazer um bico de ofice boy e estar lá atrás do caixa sempre que preciso. Isso ainda sem contar com o minúsculo salário. Porém eLe está feliz, pois agora, ainda que pouco, o dinheiro é seu e não precisa mais depender da generosidade de seu Tio.
Agora já se sente homem, dono de seu nariz. O orgulho lhe preenche o peito, e nenhum sentimento é mais masculino do que esse. É como dizem: “o trabalho dignifica o homem”.

a Árvore



Plantei minha árvore já presente em minha alma desde o dia de minha fecundação. O que nos liga é a salgada seiva de cor rubra que oferece o fôlego de meu viver.
Independente de meus caminhos a raiz estará lá, no solo primo de meu sonho, no colo quente de meus pais. Haverão folhas soltas de minhas idéias confusas que irão de encontro com seus pensares, mas a busca não há de me afastar da base.
E ainda virá o fruto...
O meu bonsai de cores é uma secóia de sentimentos.