26 de março de 2011

Escura & Calada

 Rua & silêncio, de Guh Andrade.





A noite escura e calada
sacia a minha busca vazia
pelo nada.

*only once

01 - You Only Live Once

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O breu consome o mundo de maneira integral. Eu vou junto pelos minutos silenciosos desta noite assustada. Ao longe uma ave canta seus versos de estranheza e sem notar da beleza invisível deste momento único me perco em minha insana ignorância.
Desde pequeno me pergunto o porque de ser e estar. Desde sempre me cobro soluções de problemas que ainda não criei. Esta noite soturna que me invade cala minha boca, mesmo que já tarde, e me faz pensar em quanto posso perder se pensar demais. O tempo é fullgás, e eu sou efêmero.
Deitado no meu manto nada santo de rotinas incertas, lembro agora daquela hora certa de me propor o errado. Quero me sentar amanhã e, ainda com ressaca do que me possa parecer indevido, sentir o alívio por estar culpado. Às vezes é melhor viver a angústia da punição ao contraste doloroso do desejo omisso.
Sei, sou mais do que isso.
Mas não preciso provar nada.


"Shut me up
Shut me up
And I'll get along with you..."

24 de março de 2011

Filhas de Vênus

O brilho nos olhos revela algo que de longe pode parecer surreal. O rosto iluminado encarando o quadro de sua vida transmite carência e alegria. Paradoxalmente se expande a todas as direções da galeria que o universo lhe reserva. Essa pintura enigmática tem várias formas, vários rostos e uma infinidade de projeções sentimentais.
...
CAPITU
Dias atrás insatisfeita, disse que estava cansada e que não cabia neste mundo. Foi embora pela porta da frente, um tanto descontente, mas confiante que o sol iria brilhar. Os dias se passaram e ela voltou incerta das decisões que tomou, mas decidida a continuar sua luta. Recebida com um sorriso, ela responde com sua graça encantadora e se instala em seu altar. De posse indevida do território, com seu falatório, tenta exibir uma vitória abstrata. Mas a pobre mulata quer apenas omitir que o mundo não coube em si.
SINHÁ MOÇA
Calada em seu canto, vê as estrelas e as figuras que circulam no céu e na rua. Ali, na sua santidade discutida vive a vida de sonhos que seu vilarejo lhe oferece. Faz preces aos domingos e passa a semana batalhando um príncipe que nunca vai chegar. Escolhe as cartas do baralho e sempre perde a sorte que imaginava ter. Seu olhar discreto, seu sorriso tímido é o mínimo de expressão que sonha propagar. Sente o tempo passar ingrato, pois é fato, o amor não chegou ali.
INSENSATO CORAÇÃO
Atrás da mesa cheia de relatórios e planilhas relembra ainda aquele antigo encontro. A vida já passou do ponto, mas ela insiste ainda em acreditar. Sentada sobre lembranças apaixonantes de tudo que viveu em silêncio, seu coração está propenso há esperar um pouco mais. A vida que segue é o paliativo da ausência que insiste em não ser suprida. Beija as sensações do seu passado e anda flutuante pelo fado de sua expectativa incerta. Vive a rememorar.
ANITA
Com o telefone na mão a ansiedade lhe absorve. Busca o que nunca teve na intenção de usufruir de todos os detalhes do desejo. Imagina a secreta cena do seu encontro marcado. Seu corpo se aquece ainda que longe do objeto prometido. O sangue ferve a uma temperatura absurda por conta dessa sua incontrolável libido. E o mundo continua a girar independente das peripécias juvenis que seu corpo e coração promovem. Sendo jovem, não lhe faltam caminhos.
MULHERES DE AREIA
As experiências aconselham o inverso do que o pulsar reforça. Esforçam-se para não se entregar tão facilmente aos deleites dos sentidos. Mas o silencio que o tempo e a distancia lhe imprimem faz com que já não possam mais ser de tudo racional. Esperam as respostas das suas ações. Cansaram de esperar ligações no dia seguinte, agora são ouvintes de suas próprias aspirações. Querem apenas desfrutar do prazer possível.
CORDEL ENCANTADO
Dona da fantasia que a inunda é iniciante na dança das vontades. Sua carne ainda exala a paixão infante de alguém que aprende aos poucos os meandros do sagrado. Tem seu lado segura no ponto em que amadurece centrada, mas perde na linha da cintura a noção do que é certo ou errado. Faz-se desejada e encanta o mundo de fadas onde vive.
...
As divinas são de tudo coração. Sentem seus sonhos e fantasias sendo gravados na carne, às vezes com um leve acariciar de pele, às vezes na brasa triste da desilusão.
As mulheres vivem o protagonismo de suas próprias novelas.

17 de março de 2011

Picture the Girl

Jason Mraz - Live High [Beautiful Mess - Live on Earth]
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Caminho minha sina noturnamente como um adolescente que se descobre aos tantos anos já passados. Vou em direção a uma menina de olhos que brilham na noite tropical deste meu espaço no globo. Aqui entre os trópicos e entre os corações o que não se ausenta é o calor.  O vento quente que me acompanha pela janela do veículo apenas alimenta a chama da minha vontade de admirar.
Sentado na praça eu vejo as pessoas se encaminharem aos seus destinos secretos, vejo o cachorro sarnento que rosna como se lhe fosse um inimigo, vejo o abrigo da musa desse cantinho, e sonho com o ninho de nosso desvendar.
Ela não me conhece, mas sabe quem eu sou. Seus olhos me veem nas ruas da cidade. Ali eu sou seu espectador, tentando descobrir o que me espera por trás da cortina deste espetáculo gracioso da conquista. Todas as noites eu passo segundos no silêncio propenso a apenas observar a figura da minha pequena que acena de maneira sutil ao meu caminhar. Depois é o encontro.
E a cada novo contato sinto que é fato, ela é um mundo a desbravar. Faço assim a minha aventura, a reconquista diária daquele seu sorriso. 



 
"I try to picture the girl through a looking glass"

16 de março de 2011

Chuva de despedida


CHUVA QUE CAIU NA JANELA
NUMA NOITE DE VERÃO,
de Paulo.




Vieram as águas de março
me trazer esse abraço
e o adeus do verão.



breve observação psicológica

"No princípio criou Deus os céus e a terra.
E disse Deus: haja um firmamento no meio das águas, e haja separação entre águas e águas.
E disse Deus: Ajuntem-se num só lugar as águas que estão debaixo do céu, e apareça o elemento seco. E assim foi. Chamou Deus ao elemento seco terra, e ao ajuntamento das águas mares.
E disse Deus: Produza a terra relva, ervas que dêem semente, e árvores frutíferas que, segundo as suas espécies, dêem fruto que tenha em si a sua semente, sobre a terra.
E disse Deus: Produzam as águas cardumes de seres viventes; e voem as aves acima da terra no firmamento do céu.
E disse Deus: Produza a terra seres viventes segundo as suas espécies: animais domésticos, répteis, e animais selvagens segundo as suas espécies.
Criou, pois, Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. "(Gênesis, cap. 1)


 
 
Assim se registrou o primeiro caso de hiperatividade.
 
 
 
 
.?.

14 de março de 2011

Inacreditável realidade

Olhando a tela da TV imagino quem assiste pessoalmente essa obra fictícia que se expõe nas ruas nipônicas em meio a esse povo ordeiro até mesmo na hora da morte. A onda negra que arrasta embarcações, carros e casas, que afoga aos milhares seres humanos e demais seres, transformando habitats não naturais em destinos finais aos estranhos a todo aquele enredo. Os seres marinhos em meio ao continente misturados aos escombros e restos mortais de homens, mulheres e crianças que submergem deste plano num instante fulgás, num piscar de olhos assustador.
Nem nos mangás mais absurdos, nos filmes mais engenhosos, nos livros mais imaginativos seria possível recriar com tamanha perfeição o caos. Aquela minúscula partícula do globo sendo invadida pela fúria inconsciente da terra. Uma história sem vilão, sem panaceia, sem entrelinhas que expliquem os motivos, onde palavras como conhecimento, justiça, verdade, são esquecidas por um breve momento da vida e da morte. A tragédia tão absurda que nos espanta ao mesmo tempo que nos encanta com sua tamanha devastação.
Ali registra-se a força das senhoras que sobrevivem dentro dos veículos, das crianças que renascem dos escombros, dos homens e mulheres que se livram do soterramento, cada ser que sobre um amontoado do que agora é lixo conquista sua chance de recomeçar. A beleza do cruel nos olhos de quem vê seu mundo se desintegrar. Eu assisto o mundo em desconstrução.
Assisto
e torço pela vida.

9 de março de 2011

dos Mundos Particulares


Que calma profunda, de J. PEDRO MARTINS.





É vivendo a dádiva da vida
que se percebe a pequenez humana
Onde pode uma história típica
se transformar em narrativa insana
Quando todos aclamados protagonistas
vivem da beleza da incerteza infante
Quem se faz astro da'ventura mista
que é saborear da glória figurante







7 de março de 2011

Sons do Carnaval

Nunca foi segredo que o Carnaval é o período do ano em que as mentes mais férteis da música brasileira expõe o seu trabalho. Sem cinismo é bom fazer a analogia lembrando que nas plantações o produto mais fértil é o estrume, ou seja, merda, bosta mesmo. Assim é possível passar uma semana inteira, 24 horas por dia, ouvindo "vou sim, quero sim, posso sim" ou "foge, foge mulher maravilha" entre tantas outras criações mirabolantes dos nossos queridos compositores brasileiros.
Mas quero aqui apresentar e fortalecer estas obras-primas do duplo sentido que conheci através do Kibe Loco.




Simplismente extraordinário!
Ah, e falando em extra Ordinário, fica a lembrança do mais novo sucesso do Parangolé, Tchubrabiralgumacoisaquenãoentendiainda.

Eu, o telefone e a morte

Todos os dias sigo a mesma rotina. Acordo, vou ao trabalho, volto, resolvo pequenos problemas domésticos, crio outros, observo meus queridos em suas rotinas, e durmo para recomeçar amanhã. Contudo em dias em que cruzo esporadicamente por determinação de escalas extraordinárias uma linha telefônica em uma sala de atendimentos, uma velha amiga resolve me acompanhar.
Nesses dias em que a morte pega carona o que mais me assusta é a sua assiduidade. Ela não falta, não dá atestado, não se ausenta nem mesmo em causa própria. Ela se diverte imaginando quem será o próximo pacote a ser embrulhado e carregado na lata fria motorizada rumo ao destino final. Independente do escolhido, seja um vagabundo, um bêbado, um pai de família, todos terão seu espetáculo próprio de tristeza intensa e curiosidade alheia.
Na roleta russa que minha companheira de trabalho gera, uma esfera de medrosos começa a se movimentar na ânsia de que eu a deixa para trás durante o trabalho. Mas eu não a convidei, sequer a informei pra onde ia. E outra, mal ela não me faz. Segue apenas a sua própria rotina. A morte, coitada, também tem que trabalhar. E por mais que ninguém ache legal a sua existência, a finidade da vida é necessário na manutenção da evolução humana. Vivemos um ciclo, a morte é uma etapa.
Mas como não posso exigir de você compreensão, quando eu tiver na linha é melhor tomar cuidado!
Pode ser a última chamada.

5 de março de 2011

LENÇÓIS EMARANHADOS

Sobre os lençóis emaranhados de uma madrugada sonolenta o celular vibra informando uma mensagem. O ponto de partida das palavras noturnas se encontra em silencio na expectativa da reação de quem as lê. Ali deitado ele dorme na sua imbecilidade ingênua e cansativa de uma rotina sem esperança.
...
Levanta-se suado sob um céu enluarado de verão. Com a mão busca pela parede o interruptor. Ainda cego pela iluminação que o envolve procura o celular na ânsia de observar as horas, afinal a muito os celulares aposentaram os relógios. Vê o símbolo do SMS no alto do visor, abre a pasta, despreocupado como quem espera a resposta do saldo dos créditos telefônicos, e avista o nome inesperado no cabeçalho da mensagem. Ela, que ele já não imaginava, que em seus sonhos já era figura escassa, que fugiu da realidade de sua vida tão rápido quanto um estourar de um balão.
Em duas frases com cinco palavras ela escreveu uma notícia tão efemeramente intensa que sequer a bíblia naquele momento poderia promover tamanha emoção comparada com aquelas orações de palavras suprimidas. Era tão fascinante a leitura que honestamente ele não acreditou de imediato. Mas não seria muito inteligente desacreditar na surpresa agradável que ele acabará de receber. Era ela, e queria ele.
Levantou-se apressado, vestiu o que lhe coube e rumou em direção as estrelas de uma noite encantada. Cada passo sonhador promovia a leveza da alma endiabradamente apaixonada. Seguiu pelo caminho de paralelos discretos até seu destino. A porta estava fechada, a luz acesa escapava pelas brechas da fechadura, e o som da televisão ligada se ouvia da calçada. Ela esperava alguém e esse alguém acabava de chegar ao seu momento.
Após um breve e suave toque de campainha o olho mágico vislumbrava sua resposta. A porta se abre e os sorrisos mútuos já abertos em satisfação se encontram. Faz-se silêncio entre eles, a TV atravessa a madrugada num dialogo desconexo desse filmes de western em uma dessas sessões para pessoas insones. Os corpos se lançam como o vento em direção ao continente, a porta se fecha, os lábios se somam, as peles se unem. Os seres se amam sob a luz testemunhal da lua, sob o som estranho da TV, sob o calor infernal de um verão celeste.
Ali, prestes a consumação no fogo de seus desejos, eles sabem que será aquela a ultima chance de se sentirem seus, um entregue ao outro como se houvessem nascidos para este único propósito, mesmo que na imaginação de seus corações imaturos. Eles se perdem no encontro das vontades. A madrugada se escreve em chama na cama daquele amor que vivia enfim o seu final.
...
Sobre os matinais lençóis sonolentos e emaranhados ele acorda. Olha o celular sem entusiasmo. Já não espera a mensagem, pois sabe, nunca vai chegar.