¬.O defunto e a laranjeira
Parada na sua estância ela balança ao sabor do vento. Imóvel, ele sem dor, nem lamento espera o tempo que não cessa em sua viagem. As folhas verdes em galhos finos, os frutos mínimos se expandindo em um espaço amplo. O cheiro forte da putrefação, a pele roxa, a língua solta numa boca frouxa.
Era meio dia e o insano se instalou na mente humana. Chegou para o trabalho sujo contra seu próprio mundo. Deixou a bicicleta na portaria e adentrou para um café. Seria seu último minuto de excitação. A cafeína lhe correu por dentro e o sangue frio lhe adiantou os passos. Foi ao fundo, no fundo de sua alma, na calma de sua loucura, na sina de sua história. Sem glória amarrou a corda no caule da árvore que não lhe pode dizer nada.
Quatro horas depois, ainda lá, longe da curiosidade alheia, escondido de seu próprio fracasso, se faz as ultimas anotações. Farda, sandália e saliva. As almas vivas espantadas com sua interpretação. Sem aplausos a cortina se fecha pro que poderia ser um momento seguinte. Mas o desfecho deste drama incomum se dá no requinte da recepção popular sem nexo e no complexo choro de um filho abandonado.
Quatro horas antes, ainda em casa, o café esquenta na brasa, a mulher olha preocupada, já sente que algo está errado. Suas palavras perdidas ecoam pelas paredes sujas com o tempo, seu pensamento vagueia nas horas que ainda seguirão. A família acredita que esse estranhamento passará, mais tarde ele volta e tudo voltará ao normal. Isso não aconteceu.
A laranjeira em seu canto calada vê o homem que nada contra uma corrente de idéias tortas, que fecha a porta para um futuro possível. Um homem invisível que se pendura pelo pescoço e se lança sem alarde para um fim insensato. Ali, o resumo de um fato narrado, laranjas doces e um corpo inanimado.
É uma tarde de maio e o sol brilha forte.
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