30 de setembro de 2016

A Fantástica Festa do Povo de OTA


OTA, esse mundo incrível em que habitamos, nos surpreende sempre pela magia de seu povo simpático e afável, que a cada quatro anos se permite o belo e o grotesco, num show de primitivismo humano diante os olhares nublados da comunidade. As ações e comportamentos das mais variadas pessoas, com suas variadas índoles e históricos, são de um inclassificável absurdo social, que provavelmente será esquecido ao longo dos próximos quatro anos. 
O que se vê, só não vê quem não quer ver.

Em OTA, quando outubro se aproxima, as cores se definem, os gritos se superam, as figuras se apresentam e a turba se aglomera em um ritual abstrato de egoísmo coletivo travestido de esperança e salvação. Os heróis e vilões se alternam na visão de seus seguidores, e as promessas são ofertadas ao vento com menos profusão apenas as ofensas e ameaças ofertadas a quem diverge no pensamento. Não se perde mais tempo conferindo currículos, propostas e possibilidades. O que se mede é a força da presença em eventos, regados a dispersão do palco, perfumados pelos conhaques e cachaças, sonorizado por parodias que em suas versões originais são sempre de gosto duvidoso e animados pela sempre santa ignorância desse povo de OTA.
Em cima do palanque a mais estranha fauna de candidatos se reveza em discursos e grunhidos, gritos e fanfarrices, sem sentido ou lógicas plausíveis para a necessidade estrutural que os cargos requerem. O deus desocupado que ocupa o céu é solicitado em orações e profecias, defendendo os candidatos que se auto intitulam escolhidos para a árdua missão de comandar este tão sofrido povo de OTA. Destinados a guia-los na travessia dos tempos difíceis, estes salvadores costumeiramente tendem a enriquecer, ainda que solitariamente, após o mandato de origem divina, enquanto o povo traído pelo falso profeta elege um novo líder, para uma nova caminhada, para uma nova frustração.
Ainda no pé do palco, o povo cansado nem liga de fato para o que é falado. Pouco importa o proferido, o candidato já está negociado, o santinho guardado, o eleitor marcado na contabilidade do candidato, a nota de gasolina separada na mão do filiado, a ficha do álcool entregue, o olheiro esperto com os infiltrados, e tudo em dispersão até o chamado ansiosamente aguardado: vai começar a passeata! Sai gente de todo buraco, vestidos com seus abadás, pulando e vibrando, transpirando uma emoção que faz da campanha uma questão particular.
Quando a turba monocromática desce a ladeira do BESSIL em uma efervescência que beira o êxtase, sob o estouro dos custosos fogos de artifícios, a multidão alucinada lembra uma escola de samba no carnaval carioca. A charanga batuca no meio do povo, fortalecendo esse vínculo imaginário, levando o momento de analise a se tornar um momento de entrega. E nesse louvor pagão todos os credos, cores, status e gêneros se misturam sem o preconceito comum do dia a dia. E é nesse momento alucinógeno de comunhão que nos aproximamos mais da utopia de um mundo igualitário, sem barreiras e sem castas, mas dura o tempo da descida, e depois a festa acaba. Além disso existe o mal impregnado no opositor e sua corja, que assiste de camarote a nossa festa. Amanhã somos nós os espectadores, e as sensações são as mesmas, se repetem continuamente, como num quarto de espelhos.
O outro estar errado é uma certeza que temos.

Mas o campo de batalha é maior agora com os adventos tecnológicos. As redes sociais são os novos ringues para os discursos inflamados, lotados do desconhecimento da língua portuguesa e do uso indelicado de palavras chulas. Já as reuniões com o eleitorado e com os cabos eleitorais se dão em grupos do Whatsapp, o que oferece maior comodidade aos famosos ‘puxa-sacos’ que podem derramar seus elogios sem sair de casa.
Por vezes alguns arautos da comunidade se arriscam em textos pouco lidos e muito comentados, boa parte como resposta aos comentários curtos e despreocupados com a boa educação. Nesses textos a busca por uma imparcialidade fajuta se esvai na crença pouco crível do autor que ele possui a solitária razão sobre a situação dos candidatos e da cidade. Nós, todos de OTA, vivenciamos as mazelas e as angustias de nosso mundo, e percebemos o quanto é interessante um posicionamento prévio, ainda que “imparcial”, para sermos vistos e lembrados quando o futuro chegar. Seria injusto dizer que as pessoas de OTA não se preocupam realmente com uma cidade melhor, mas é natural o desejo de que essas melhorias nos atinjam primeiro.
A mudança que ocorre em especial neste atual período em OTA é impressionante, não como resultado de uma política pública, mas como uma ressonância estritamente ao nosso modelo político. O povo que antes se enamorava pelos ídolos, que se comprometiam com seus salvadores, agora agem de modo mais cauteloso e astuto, de modo “politico”, do mesmo modo com que foram tratados nas últimas décadas. Agora as famílias se dividem, não por divergir nos ideais, mas para garantir a aproximação de um dos entes ao elegido. A miséria que afeta os derrotados no período do mandato agora tem uma alternativa, alguém aqui em casa estava do lado certo, um pensamento impuro e certeiro que impera. Outro comportamento que se fortalece é a negociação à vista pelo apoio. Aquela promessa pós-eleição de emprego, de ajuda, foi desacreditada diante as gestões que se sucederam. A promessa real é a que mostra o Real ($). O povo de OTA cansou de apenas acreditar, o povo quer ver.
Mas ainda que em sua sabedoria ilícita, nosso povo continua sendo de OTA, pois faz parte da nossa essência sermos quem somos. E elegermos representantes que saem de nosso seio social, pessoas que são contumazes em vivenciar nossa realidade cotidiana, não faz parte dos nosso planos. Outra coisa impensada é a capacitação dos indivíduos para exercer tais cargos. Eleger é uma ação de pagamento por bonanças ou agraciamento pela convivência ou parentesco. O certo é que diante o hall de candidatos que se apresentam fica evidente a ausência de interesse de ‘pessoas de bem’ nos pleitos em nossa boa terra de OTA.
Política é coisa para corruptos, desde o povo até o poder.

Mas a festa tem data para acabar, e com essa data acaba a vida de OTA. A cidade se esmaecerá, os ímpetos se recolherão as suas insignificâncias e dentro de nove meses o sentimento coletivo se aplacará e retornará ao que lhe é comum, a insatisfação.
Os derrotados, calados em seus cantos, buscarão rotas de fuga e alternativas mais duras para prosseguir. Os vencedores arrotarão poder e arrogância até a data da posse, tossindo confiança até o momento que não sobrar mais cargos e a expectativa de melhoria de vida se esvair por mais um período. Porque a verdadeira certeza de dias melhores recaem apenas aos elegidos, em suas autoridades temporais alimentadas de gordos salários e poder de barganha na busca sempre de ‘um a mais’.
A festa do povo é um engodo esporádico e cíclico, que enche o espirito local da beleza da fé e da algazarra, e revela o monstro abissal que habita em cada um de nós. A voz que nos reverbera internamente é o bicho guloso que se preserva ainda que inconscientemente. O egoísmo eleitoral é a minha intenção de interesse pessoal, familiar ou de grupo, sem a análise geral do mundo em que vivo. Mas eu sou de OTA, e isso me redime. E as alternativas também não são tão distintas...
Quando se encerra o prazo e se imprime o resultado das urnas, o que se contabiliza é a vitória épica de nossa ignorância. A ânsia de um futuro melhor já nos escapou do sonho. O que nos resta é o abandono da utopia e a alegria insonsa de garantirmos ‘o nosso dia a dia’. Mais o que vale é que o povo de OTA foi muito feliz na festa em BESSIL.


E a vida segue em OTA... como segue por todo o Brasil.

3 comentários:

Thaisinha... disse...

E essa festa bessil é tão esquecida nesses 2 anos que se sucedem. E agora deram mais 5 anos para que se esqueçam mesmo e tentem buscar algo de novo e novo. Pouco se muda nesse país de carnaval, o ritmo sempre é o mesmo, só muda a letra. O gol desperta a euforia e o fim do jogo só gera conversa.

Fr. Dhael disse...

Será que compensa gastar energia?
Os heróis morreram de overdose ...
O que vale é o peso em cobre
do pobre que ri em agonia.

Na barriga da miséria,
nasci brasileiro.

Unknown disse...

Bom texto. Faz um tempo que não entrava no blog, foi bom revê-lo.