OTA,
esse mundo incrível em que habitamos, nos surpreende sempre pela magia de seu
povo simpático e afável, que a cada quatro anos se permite o belo e o grotesco,
num show de primitivismo humano diante os olhares nublados da comunidade. As
ações e comportamentos das mais variadas pessoas, com suas variadas índoles e
históricos, são de um inclassificável absurdo social, que provavelmente será
esquecido ao longo dos próximos quatro anos.
O
que se vê, só não vê quem não quer ver.
Em
OTA, quando outubro se aproxima, as cores se definem, os gritos se superam, as
figuras se apresentam e a turba se aglomera em um ritual abstrato de egoísmo
coletivo travestido de esperança e salvação. Os heróis e vilões se alternam na
visão de seus seguidores, e as promessas são ofertadas ao vento com menos
profusão apenas as ofensas e ameaças ofertadas a quem diverge no pensamento.
Não se perde mais tempo conferindo currículos, propostas e possibilidades. O
que se mede é a força da presença em eventos, regados a dispersão do palco,
perfumados pelos conhaques e cachaças, sonorizado por parodias que em suas
versões originais são sempre de gosto duvidoso e animados pela sempre santa
ignorância desse povo de OTA.
Em
cima do palanque a mais estranha fauna de candidatos se reveza em discursos e
grunhidos, gritos e fanfarrices, sem sentido ou lógicas plausíveis para a
necessidade estrutural que os cargos requerem. O deus desocupado que ocupa o
céu é solicitado em orações e profecias, defendendo os candidatos que se auto
intitulam escolhidos para a árdua missão de comandar este tão sofrido povo de
OTA. Destinados a guia-los na travessia dos tempos difíceis, estes salvadores
costumeiramente tendem a enriquecer, ainda que solitariamente, após o mandato
de origem divina, enquanto o povo traído pelo falso profeta elege um novo
líder, para uma nova caminhada, para uma nova frustração.
Ainda
no pé do palco, o povo cansado nem liga de fato para o que é falado. Pouco
importa o proferido, o candidato já está negociado, o santinho guardado, o
eleitor marcado na contabilidade do candidato, a nota de gasolina separada na
mão do filiado, a ficha do álcool entregue, o olheiro esperto com os
infiltrados, e tudo em dispersão até o chamado ansiosamente aguardado: vai
começar a passeata! Sai gente de todo buraco, vestidos com seus abadás, pulando
e vibrando, transpirando uma emoção que faz da campanha uma questão particular.
Quando
a turba monocromática desce a ladeira do BESSIL em uma efervescência que beira
o êxtase, sob o estouro dos custosos fogos de artifícios, a multidão alucinada
lembra uma escola de samba no carnaval carioca. A charanga batuca no meio do
povo, fortalecendo esse vínculo imaginário, levando o momento de analise a se
tornar um momento de entrega. E nesse louvor pagão todos os credos, cores,
status e gêneros se misturam sem o preconceito comum do dia a dia. E é nesse
momento alucinógeno de comunhão que nos aproximamos mais da utopia de um mundo
igualitário, sem barreiras e sem castas, mas dura o tempo da descida, e depois
a festa acaba. Além disso existe o mal impregnado no opositor e sua corja, que
assiste de camarote a nossa festa. Amanhã somos nós os espectadores, e as
sensações são as mesmas, se repetem continuamente, como num quarto de espelhos.
O
outro estar errado é uma certeza que temos.
Mas
o campo de batalha é maior agora com os adventos tecnológicos. As redes sociais
são os novos ringues para os discursos inflamados, lotados do desconhecimento
da língua portuguesa e do uso indelicado de palavras chulas. Já as reuniões com
o eleitorado e com os cabos eleitorais se dão em grupos do Whatsapp, o que
oferece maior comodidade aos famosos ‘puxa-sacos’ que podem derramar seus
elogios sem sair de casa.
Por
vezes alguns arautos da comunidade se arriscam em textos pouco lidos e muito
comentados, boa parte como resposta aos comentários curtos e despreocupados com
a boa educação. Nesses textos a busca por uma imparcialidade fajuta se esvai na
crença pouco crível do autor que ele possui a solitária razão sobre a situação
dos candidatos e da cidade. Nós, todos de OTA, vivenciamos as mazelas e as
angustias de nosso mundo, e percebemos o quanto é interessante um
posicionamento prévio, ainda que “imparcial”, para sermos vistos e lembrados
quando o futuro chegar. Seria injusto dizer que as pessoas de OTA não se
preocupam realmente com uma cidade melhor, mas é natural o desejo de que essas
melhorias nos atinjam primeiro.
A
mudança que ocorre em especial neste atual período em OTA é impressionante, não
como resultado de uma política pública, mas como uma ressonância estritamente
ao nosso modelo político. O povo que antes se enamorava pelos ídolos, que se
comprometiam com seus salvadores, agora agem de modo mais cauteloso e astuto,
de modo “politico”, do mesmo modo com que foram tratados nas últimas décadas.
Agora as famílias se dividem, não por divergir nos ideais, mas para garantir a
aproximação de um dos entes ao elegido. A miséria que afeta os derrotados no
período do mandato agora tem uma alternativa, alguém aqui em casa estava do
lado certo, um pensamento impuro e certeiro que impera. Outro comportamento que
se fortalece é a negociação à vista pelo apoio. Aquela promessa pós-eleição de
emprego, de ajuda, foi desacreditada diante as gestões que se sucederam. A
promessa real é a que mostra o Real ($). O povo de OTA cansou de apenas
acreditar, o povo quer ver.
Mas
ainda que em sua sabedoria ilícita, nosso povo continua sendo de OTA, pois faz
parte da nossa essência sermos quem somos. E elegermos representantes que saem
de nosso seio social, pessoas que são contumazes em vivenciar nossa realidade
cotidiana, não faz parte dos nosso planos. Outra coisa impensada é a
capacitação dos indivíduos para exercer tais cargos. Eleger é uma ação de
pagamento por bonanças ou agraciamento pela convivência ou parentesco. O certo
é que diante o hall de candidatos que se apresentam fica evidente a ausência de
interesse de ‘pessoas de bem’ nos pleitos em nossa boa terra de OTA.
Política
é coisa para corruptos, desde o povo até o poder.
Mas
a festa tem data para acabar, e com essa data acaba a vida de OTA. A cidade se
esmaecerá, os ímpetos se recolherão as suas insignificâncias e dentro de nove
meses o sentimento coletivo se aplacará e retornará ao que lhe é comum, a
insatisfação.
Os
derrotados, calados em seus cantos, buscarão rotas de fuga e alternativas mais
duras para prosseguir. Os vencedores arrotarão poder e arrogância até a data da
posse, tossindo confiança até o momento que não sobrar mais cargos e a
expectativa de melhoria de vida se esvair por mais um período. Porque a
verdadeira certeza de dias melhores recaem apenas aos elegidos, em suas
autoridades temporais alimentadas de gordos salários e poder de barganha na
busca sempre de ‘um a mais’.
A
festa do povo é um engodo esporádico e cíclico, que enche o espirito local da
beleza da fé e da algazarra, e revela o monstro abissal que habita em cada um
de nós. A voz que nos reverbera internamente é o bicho guloso que se preserva
ainda que inconscientemente. O egoísmo eleitoral é a minha intenção de
interesse pessoal, familiar ou de grupo, sem a análise geral do mundo em que
vivo. Mas eu sou de OTA, e isso me redime. E as alternativas também não são tão
distintas...
Quando
se encerra o prazo e se imprime o resultado das urnas, o que se contabiliza é a
vitória épica de nossa ignorância. A ânsia de um futuro melhor já nos escapou
do sonho. O que nos resta é o abandono da utopia e a alegria insonsa de
garantirmos ‘o nosso dia a dia’. Mais o que vale é que o povo de OTA foi muito
feliz na festa em BESSIL.
E a vida segue em OTA... como segue por todo o Brasil.