9 de maio de 2009

Colhendo Acerolas

A lua iluminava brevemente a terra na noite em que me vi de perto.
Tinha acabado de chegar de minhas ocupações escolares e cansado por mais um dia de trabalho. Da pia os pratos calados me olhavam pedindo um banho e meu corpo, que pedia descanso, foi vencido pela mania de limpeza.
Pus-me a lavar a louça despretensiosamente, mas foi me surgindo uma fome repentina – não era literalmente fome, apenas vontade de comer – e comecei a imaginar as possibilidades. Naquele momento estaria mentido se dissesse que havia abundancia de possibilidades, mas o que importa é como um momento tão comum pode parecer e ser especial. Vi os pães e os condimentos que poderiam rechiá-los e percebi a falta do acompanhamento liquido indispensável. O horário do evento induzia um café com leite padrão, mas como o que calor local nos impõe é inquestionável, fiz um bom suco. Vi a geladeira vazia, os pacotinhos artificiais de sabores diversos – vulgos: Kisuquis – também desaparecidos, então me permiti olhar além dos limites da cozinha. No quintal, à luz de um luar discreto, dois pés de acerola reluziam graciosos ao balanço da brisa mansa. Ao acender a lâmpada, esse mini-sol criado pelos humanos, vi a beleza das frutinhas vermelhas que acenavam animadas para mim.
- Esse é o momento mágico.
Às 22 horas do dia sete, em pleno mês de maio, lá estava eu com tudo que sempre sonhei. No céu uma lua acompanhada por estrelas brilhantes. Em terra eu, as acerolas e o silêncio que se perdia na imensidão de uma noite especial. Fiquei admirando as frutas e sua coloração, me permitindo não pensar em nada que não fosse a beleza daquele momento. A cabeça vazia dos problemas do cotidiano me libertava das emoções que cansavam meu corpo e das angustias futuras que machucavam meu pensamento. Ali eu vivi o momento presente, e nada me lembrava que o mundo existia. Colhendo as acerolas eu revezava de árvore e imaginava como a natureza poderia ser tão bondosa. O azedume que a boca experimentava era de uma pureza bela e simples, e percorria meu corpo por dentro como um néctar de vida celestial.
Saboreei cada minuto daquela contemplação e entendi que todas as noites são especiais, o nosso olhar é que não nos permite vive-las dessa maneira. A lua, a brisa, e as acerolas estão sempre lá – está certo, as acerolas nem sempre –, mas o que importa é nós estarmos. Nós, e não o resultado dos dias. As angustias, preocupações, e todos os sentimentos que nos prendem nessa civilização e nos impede de sentirmos o nosso lado natural, não devem estar presentes sempre em nossa vida, em todos os momentos. Somos animais, fazemos partes desse mundo, e o mundo também faz parte da gente.
Depois de viver estes singelos segundos entre as aspas da rotina, me vi sentado no sofá, já com o pão recheado e o suco na mão e me dei conta: fazia tempo que não bebia um suco tão puro de mim.

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