1 de agosto de 2010

Ritos de Passagem

Do Velório ao Enterro
Chego e a casa está cheia. Pessoas desconhecidas reunidas sob o mesmo teto em um pequeno espaço disputando a chance de se solidarizar. Estar ali já representa uma mensagem aos moradores. Lá fora a chuva cai constante, uma pequena garoa irritante que não cessa. Uma imagem romântica que a natureza inconscientemente nos oferece de cenário. Entre as paredes dos cômodos os anfitriões se derramam em tristes lágrimas. No centro da sala uma moldura da dor e da despedida. Ao mesmo tempo que tudo transparece desespero pela saudade já intensa, é na crença de uma incerteza que o alívio começa a surgir. Vem a cantoria, os louvores e as rezas. Independente de que livro lhe é o caminho, o espetaculo dos costumes nos apresentam a beleza da coletividade anônima. Vozes nunca antes reunidas entoam unissonamente os versos esperançosos de uma ladainha antiga. A dor se transforma em gemido, os gemidos em gritos, e todos os sentimentos primitivos se revelam em silêncio molhado de sal. A família chora.
Lá fora ainda continua a chuva, mas ainda assim começa a caminhada final daquele que sobre a madeira descansa de sua luta. A rua se enche de guardas-chuvas distintos, pés molhados e silêncio sussurrante. A paisagem se transforma e o último endereço é adentrado por todos os participantes. A homenagem da morte é um manifesto à vida. Descem o corpo, a terra o abraça de maneira fraternal como quem diz "vem cá meu filho!". A luz desaparece para ele no mesmo instante que sua embalagem se esconde de nós. Mais um homem foi plantado, que suas qualidades se ramifiquem e adubem as sementes que ficaram no tempo.
Depois de todo o ritual fica a certeza da lembrança que acentua imagens antes desimportantes, momentos antes esquecidos, gestos insignificantes. Qualquer segundo de recordação é uma imensidão de sentimento. Na hora do adeus, o que resta é a magnitude da presença.

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